quinta-feira, 27 de novembro de 2008

Aquecimento global ‘expulsará’ 483 mil do Nordeste até 2050, diz estudo

Cientistas projetaram a futura economia, saúde e migração da região.

Investimentos atuais poderiam melhorar a qualidade de vida até lá.

Isis Nóbile Diniz Do G1, em São Paulo

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A notícia não é boa para a região Nordeste do país nesses tempos de mudança climática. Segundo um novo estudo, até meio milhão de pessoas deixarão os estados nordestinos daqui até 2050. A migração deverá ser conseqüência de agricultura e pecuária cada vez menos viáveis, com o aumento das temperaturas. O que deverá afetar a economia e a saúde, primeiramente, da própria população local. E, em seguida, de todo o país.

 

Os pesquisadores analisaram o impacto do aquecimento global no Nordeste tomando por base os dados do Painel Intergovernamental sobre Mudança Climática (IPCC, em inglês). Os relatórios desse órgão da ONU costumam apresentar diversas projeções, com base em diferentes níveis de reação dos países ao aquecimento global. Da mesma maneira trabalhou o estudo brasileiro, que trabalhou com dois cenários. No mais pessimista deles, cerca de 483 mil pessoas deixariam o Nordeste rumo a outras regiões do país até 2050. De acordo com essa projeção do pior cenário, a temperatura média para a região do Nordeste deverá subir quatro graus Celsius até 2070.

 

O estudo “Migrações e Saúde, Cenários para o Nordeste Brasileiro, 2000-2050”, financiado pelo Global Opportunities Fund (GOF), por meio da Embaixada Britânica no Brasil, mapeou essas conseqüências sociais e econômicas das mudanças climáticas sobre a região.

Foram quase dois anos para analisar as questões econômica, de migração e saúde pública. A conclusão é que as áreas mais dependentes da agricultura e da agropecuária serão as mais afetadas. Conseqüentemente, as populações atingidas serão os grupos social e economicamente vulneráveis. Como, por exemplo, pequenos produtores agrícolas que não dispõem de bens de produção ou mecanismos de adaptação.

 

Industrialização

Quanto mais industrializado o estado, menos seus habitantes sofrerão com a mudança climática -- como é o caso da Bahia. Por outro lado os estados mais dependentes da agricultura, como o Maranhão, o Piauí e Alagoas, serão mais afetados.

“A desigualdade social poderá até piorar”, diz Edson Domingues, um dos pesquisadores e professor do Centro de Desenvolvimento e Planejamento Regional da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). “Nós não tínhamos idéia de como a mudança climática afetaria o local, pois não temos exemplos passados”, diz

Nesse momento, uma série de problemas serão recorrentes. “Haverá um impacto econômico muito forte no setor da agricultura, que levará a redução de renda, emprego e do PIB do local”, diz Alisson Barbieri, um dos coordenadores do projeto e professor de demografia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Isso levará a uma queda acentuada do consumo das famílias, em comparação com as demais regiões do Brasil.

No primeiro instante, as pessoas sairão das zonas rurais em direção às capitais nordestinas. Depois, seguirão rumo à Amazônia -- quem vive perto dela -- e ao Sudeste e Sul. Ao chegar sem qualificação nas cidades, é possível que tenham dificuldade em conseguir empregos.

Em seguida, o Sistema Único de Saúde será sobrecarregado. Somado às condições sociais e financeiras, em 2050 um terço da população brasileira terá mais de 60 anos. O que demanda mais cuidados com a saúde.

 O passado e o futuro


Será que existe uma semelhança entre migrações do Nordeste que aconteceram para a região Sudeste no passado? “Pode haver semelhanças, mas o movimento histórico ocorreu devido à estagnação do Nordeste e o crescimento acelerado do Sudeste; agora o problema está relacionado à mudança climática”, conta Domingues.

Apesar de o estudo ter focado na região Nordeste, o impacto será sentido em todo o país. “Por exemplo, será inviável plantar café no sul de Minas Gerais. Mas o Rio Grande do Sul poderá se beneficiar dessa nova colheita”, explica Domingues. Além disso, o Sudeste e o Sul possuem suas economias também estabelecidas na indústria, o que diminui o problema direto decorrente das alterações climáticas.

O problema relatado pelos estudiosos parece uma “bola de neve” que devastará o Brasil inteiro. Mas existem soluções. “Para mudar essa futura situação, é necessário investir agora em algumas adaptações”, conta Barbieri. “Isso implica novas tecnologias, cultivos mais resistentes ao calor e captação de recursos hídricos para o Nordeste”, diz. Inclusive, em preparar as áreas urbanas para absorver e minimizar problemas com a saúde.

“Com esse estudo esperamos que sejam criadas políticas públicas para atenuar o problema”, afirma Domingues. Afinal, a outra solução demanda esforço global e não apenas brasileiro: diminuir a emissão mundial dos gases de efeito estufa.

Para realizar o estudo, pesquisadores construíram um modelo demográfico que engloba fecundidade, mortalidade e migração da população em todo o Brasil. Incorporaram os efeitos das variáveis econômicas dentro dos cenários de mudanças climáticas. Por fim, quantificaram a vulnerabilidade nordestina na área da saúde e o impacto no Sistema Único de Saúde (SUS). 

Desigualdades internas

 

O impacto econômico das mudanças climáticas no Nordeste será de 11,4% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2050. Essa perda equivale a, aproximadamente, dois anos de crescimento da economia da região. As áreas com mais problemas para a plantação estarão nos estados do Ceará, Piauí, Paraíba e Pernambuco. Os que mais sofrerão devido à diminuição no PIB serão Pernambuco, Paraíba, Piauí e Ceará. O menos atingido será Sergipe, pois possui terras mais férteis. Apenas 93 municípios nordestinos apresentarão consumo familiar maior do que a média nacional.

Existem dois processos distintos de fluxos migratórios previstos para ocorrer até 2050. Entre 2025 e 2030, os nordestinos deverão recorrer às próprias capitais. Isso porque o cenário prevê um impacto das mudanças climáticas relativamente maior nas regiões Sul e Sudeste nesse intervalo de tempo. A partir de 2035, quase meio milhão de habitantes deixarão a região, principalmente, rumo às capitais metropolitanas nordestinas. O processo de migração deve ser maior a partir das regiões metropolitanas do Recife, de João Pessoa e de Teresina. As cidades de Salvador e São Luís provavelmente perderão população para a Amazônia.

Os municípios com perdas populacionais significativas causadas pela migração até 2030 estão localizados no estados da Bahia, do Maranhão e de Pernambuco. Ganhos populacionais deverão ocorrer no Nordeste central -- Piauí, Ceará, Sergipe e Rio Grande do Norte -- e no noroeste da Bahia. A partir de 2035, a predominância será a da emigração municipal em todo o Nordeste. Haverá um processo de perda de população em quase todo o Semi-Árido e Nordeste Setentrional. As exceções se localizarão no Sergipe, no norte e no sul do Ceará, no norte e sudeste do Rio Grande do Norte e em municípios do centro e do norte do Maranhão.

Apesar do pequeno crescimento populacional previsto para o nordeste e a baixa expectativa de vida -- devido às altas taxas de mortalidade infantil --, a pouca cobertura de saneamento básico registrada no Nordeste indica o potencial problema de saúde que pode ser agravado pelos impactos das mudanças climáticas. As estimativas levam em conta o grau de vulnerabilidade para doença de Chagas, dengue, leishmaniose tegumentar e visceral, leptospirose e esquistossomose, além de dois indicadores da qualidade da saúde infantil -- mortalidade por diarréia e desnutrição. Ceará e Pernambuco serão os estados com maior vulnerabilidade.


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